Seminários e Faculdades de Teologia

[Transcrevo esta discussão do meu perfil no Facebook, onde ela teve lugar, envolvendo diversas pessoas, que são mencionadas, principalmente em 19.03.2019, no endereço: https://www.facebook.com/eduardo.chaves/posts/10156973514907141. Achei que há elementos suficientemente interessantes para justificar sua preservação neste espaço. Transcrevi apenas alguns comentários. Ao transcrever, fiz pequenos ajustes linguísticos nos textos dos quais eu era o autor, não, naturalmente, nos textos que transcrevo, onde mantive as ipsissima verba originais.]

Abaixo, transcrevo, o artigo “Uma Geração Perdida”, de Luiz Felipe Pondé, que apareceu em vários jornais de ontem, 18.3.2019 (a Folha de S. Paulo, a Gazeta do Povo, O Popular, etc.), por indicação de Volney Faustini e com ajuda de Júlio César Silveira. O primeiro livro mencionado no artigo do Pondé (The Coddling of the American Mind [A Mimação da Mente Americana]) está à venda na Amazon Books (em forma impressa e em e-book). Ele tem um subtítulo que Pondé não registra: How Good Intentions and Bad Ideas Are Setting Up a Generation for Failure [Como Boas Intenções e Más Ideias Estão Preparando uma Geração para o Fracasso].

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Como preâmbulo meu (não do Pondé), quero chamar a atenção de pessoas envolvidas com Seminários e Faculdades de Teologia. O texto (do livro e do Pondé) é relevante a esse respeito.

SEMINÁRIOS, na minha forma de entender, deveriam ser instituições educacionais / doutrinacionais (na prática, mais do segundo do que do primeiro tipo) primariamente destinadas a preparar pessoas para assimilar as ideias e o “ethos” de uma determinada igreja ou denominação, com o fito de disseminá-los ou transmiti-los a quem quer que seja que possa ter interesse no assunto. Como diz o Pondé, apud os autores do livro, “ao invés de [pretender] formar [mentes] livres . . . [Seminários deveriam assumir as doutrinas e o ‘ethos’ de] sua denominação religiosa [e admitir que querem incuti-los nos alunos]”.

FACULDADES DE TEOLOGIA, por sua vez, e ainda na minha forma de entender, se quiserem ser reconhecidas como instituições de ensino superior a par com as não confessionais, deveriam não objetivar “fazer a cabeça” e a “dirigir a conduta” dos seus alunos, podendo até apresentar os credos e as confissões de uma determinada igreja, bem como o pensamento de alguns autores, mas sempre comparando-os com os das demais credos, confissões e autores, mas sem esperar, e muito menos exigir, de seus alunos, e menos ainda de seus professores, que aceitem e adotem esses credos e essas confissões e concordem com o pensamento dos fundadores do ideário da igreja ou da denominação (Lutero, Calvino ou quem quer que seja).

Terminando meu preâmbulo, e defendendo uma posição que pode parecer estranha aos meus amigos da IPIB [Igreja Presbiteriana Independente do Brasil], acho que a IPB [Igreja Presbiteriana do Brasil] é mais coerente do que a IPIB nesse aspecto…

[Em parêntese, esclareço que nasci e cresci na IPB, mas há dez anos, mais ou menos, sou membro da IPIB, depois de um período de quase quarenta anos em que não fui membro de nenhuma igreja. Estudei em Seminário da IPB e da Presbyterian Church (US), bem como em Faculdade de Teologia da IECLB (Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil). Trabalhar em instituições do tipo mencionado só o fiz, durante três anos (2014-2017) na Faculdade de Teologia de São Paulo da IPIB, conhecida como FATIPI, da qual pedi demissão por me sentir constrangido a não abordar determinadas questões da forma que me pareceu correta necessária. Além disso, trabalhei durante cerca de 45 anos (1972 a 2016) em Instituições de Ensino Superior, públicas e confessionais, nos Estados Unidos, primeiro, depois aqui no Brasil. Aqui fiquei por 32 anos e meio na UNICAMP (Universidade Estadual de Campinas). Nessas instituições educacionais nunca me senti constrangido, nem a dizer ou a não dizer determinadas coisas nem a abordar ou a não abordar determinados assuntos — algo que, no meu entender, é o que deve se esperar em instituições educacionais, embora o Politicamente Correto venha fazendo estragos consideráveis nessa visão, tanto nos Estados Unidos como no Brasil, e em outros países também.]

A IPB não pretende transformar os seus Seminários em Faculdade de Teologia, nem aspira à chancela do MEC (Ministério da Educação) e da CAPES (Coordenação do Aperfeiçoamento do Pessoal do Ensino Superior), esta vinculada ao MEC, para esses Seminários, porque admitidamente quer usar os Seminários para formar a cabeça e dirigir a conduta dos seus alunos. Simplesmente isso. Age de acordo com isso e nisso, a meu ver, é coerente.

A IPIB, no entanto, transformou os diversos Seminários que tinha em uma Faculdade de Teologia, a FATIPI, tendo para tanto obtido a chancela do MEC e da CAPES, dispondo-se, para tanto, a aceitar alunos de  fora da denominação (de outras denominações ou mesmo de outras religiões e, parece-me, até ateus), mas não reconhece, nem para seus alunos, nem para seus professores, a plena liberdade de adotar pontos de vista e defender condutas que consideram mais bem fundamentados do que os pontos de vista e as condutas “oficiais” (reafirmados no Modelo de Estatuto para as Igrejas Locais que está sendo votado nestes dias pela Catedral Evangélica de São Paulo, que é a igreja original, e a principal igreja, da denominação). Assim, a IPIB acaba fazendo de sua Faculdade de Teologia uma mistura híbrida e incoerente de Seminário e Instituição Acadêmica livre. (Digo isso com intenção construtiva: acho que a instituição deve ser uma coisa ou outra, não tentar ser as duas. Acaba não dando certo, pois cria expectativas que não tem condições de manter.)

Dirijo esses comentários aos meus amigos Elizeu R. Cremm, Reginaldo von Zuben, Clayton Leal e Volney Faustini (este tendo sido quem chamou minha atenção para o artigo do Pondé, transcrito na sequência). O livro The Coddling of the American Mind eu comprei assim que ele foi publicado e li em seguida à compra.

Dirijo os comentários também aos meus amigos estudantes de teologia, em especial a Carlos Eduardo Martins, e ao meu sobrinho, professor de Teologia, Vitor Chaves de Souza. E faço um tag para minha mulher, Paloma Epprecht Machado Campos Chaves, também interessada no assunto.

E espero que o novo Estatuto da Catedral como igreja local não me constranja a sair da igreja da mesma forma que me vi constrangido a sair da FATIPI. Gosto de dizer as coisas claramente, porque não vejo nenhum mérito em manter as coisas sob uma cortina de fumaça.

É isso. Ao Pondé.

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“Uma Geração Perdida”

O mercado de trabalho que se prepare porque as universidades estão gestando uma geração mimimi raivosa, que não vai prestar para muita coisa. Esse diagnóstico é feito por especialistas americanos sobre universidades americanas. Mas, como toda moda americana pega, ela já chegou aqui.

O fetiche com relação aos jovens serem “mais evoluídos” continua em ação. Um pouco pela vaidade dos pais, um pouco pelo marketing das escolas e universidades, um pouco porque pessoas mais velhas querem fazer sexo com esses jovens, e o blábláblá de que são legais funciona melhor quando você quer levar um deles ou uma delas para a cama.

Greg Lukianoff, psicólogo cognitivista, e Jonathan Haidt, psicólogo social, escreveram um livro em 2018 que está impactando não só o mundo acadêmico como o mundo corporativo. “The Coddling of the American Mind” (Mimando a mente americana, Penguin Press) é de urgente leitura para quem trabalha com jovens. Mas, se fôssemos medir o nível de leitura de quem trabalha em escolas e universidades, provavelmente não passariam de 10% aqueles que ainda têm tesão pelo estudo.

“Coddling” significa mimar. A realidade desse processo já foi apontada, de formas diversas, por especialistas como Jean Twenge e Frank Furedi em livros recentes. Ela com o “iGen”(traduzido no Brasil) em 2017, ele com “What’s Happened to the University?” (sem tradução por aqui) em 2018.

A obra descreve casos recentes e escandalosos de universidades americanas que mergulharam no caos e na violência estudantil de esquerda a partir de emails nada especiais, enviados por seus professores, alunos ou por membros da administração.

A pesquisa também relata provocações de membros da direita agressiva off-campus e o comportamento canalha de colegas professores que, apesar de no particular se solidarizarem com os colegas levados à fogueira por esse alunos furiosos, no público juram pureza ideológica a favor dessas mesmas fogueiras (universidades são um dos espaços onde canalhas crescem aos montes). Os autores se referem a esse fenômeno como “caça às bruxas” — quem já viu ou viveu esse tipo de ataque por parte de alunos e redes sociais sabe o que é.

As universidades americanas estão se transformando em tribunais da inquisição, muitas vezes liderados por professores e justificados por uma teoria conhecida como “interseccionalidade”. Segundo esta teoria, existem dois grupos básicos no mundo, os opressores e os oprimidos. Mas o gradiente é móvel: ele vai do mais opressor ao mais oprimido.

Na ponta do opressor, homens brancos, heterossexuais, bem-sucedidos. Na ponta do mais oprimido, encontramos um “mau infinito”: talvez uma mulher, negra, lésbica, pobre. Bruce Bawer, crítico literário americano, já havia apontado esse “mau infinito” na sua obra “Victims’ Revolution”, em 2012.

Um traço dessa tese é que, mesmo que o “agressor” não tenha tido a intenção de cometer a “agressão” de que o acusam, se a “vítima” se sente agredida, ele [o “agressor”] deve ser demitido, execrado em praça pública,
condenado ao ostracismo. A tendência a desconvidar pessoas para conferências em universidades nasce dessa tese.

Um dos riscos desse fenômeno é que os alunos são estimulados a recusar o contato com questões das quais eles podem discordar, mas que deveriam ser estimulados a refletir e debater. As universidades mimam esses alunos, criando pequenos Torquemadas ofendidos.

Na parte dedicada a investigar as causas que nos levaram a essa situação, os autores elencam: polarização política, pais paranoicos superprotetores, obsessão por um mundo mais justo, ansiedade, suicídio e depressão em crescimento, o declínio do brincar em espaços abertos, mídias sociais e a burocracia para construção de um mundo cada vez mais “seguro psiquicamente” nas escolas e universidades. Você reconhece algumas dessas causas perto de você?

Segundo os autores, a única solução será as universidades que quiserem apoiar um viés político claro se tornarem instituições como as religiosas, que pregam ao invés de formar adultos livres, assim como faculdades de teologia que assumem sua denominação religiosa. E aquelas que quiserem formar jovens que pensem o mundo livremente devem abandonar o projeto de confundir filosofia e ciências humanas com uma igreja a favor dos oprimidos.

Pensando nas universidades que conheço aqui no Brasil, só nos restarão as que optam por ser igrejas que se acham salvadoras do mundo.

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Comentários:

Volney Faustini
The Coddling está na minha lista de leitura – mas acompanho o autor e suas falas. Tem uma que recomendo em especial (link abaixo) que, apesar de longa, desnuda um problema que é gravíssimo: o índice de ferimentos auto-afligidos em crescimento entre as meninas. Atenção esse trecho do vídeo já está engatilhado no 1:10 mais ou menos. Mas quem quiser assistir de cabo a rabo basta ir para a introdução.

Eduardo Chaves
O link que vc dá já começa em 1:10… Como eu vou para a Introdução?

Volney Faustini
Eduardo Chaves leve a barrinha para o início da apresentação, ou clicando na marcação zero da própria barra.

Eduardo Chaves
Achei: https://www.youtube.com/watch?v=FG6HbWw2RF4

Eduardo Chaves
Volney Faustini: Sou fã do Jonathan Haidt, que está ligado à Psicologia Positiva de Martin Seligman. Tenho inúmeros livros de Haidt e quase tudo que Seligman publicou em livro.

Volney Faustini
Ele – junto com Jordan Peterson (como autores) – fazem um grupo ser extremamente ativo nas provocações pela internet. Esse grupo participa do que é apelidado de Intellectual Dark Web.

Eduardo Chaves
Gosto de seu livro (de Haidt) The Righteous Mind: Why Good People are Divided by Politics and Religion. A Amazon publicou um pedaço desse livro (por 0,99 US Cents) com o título Can’t We All Disagree More Constructively?

Eduardo Chaves
Há também um Resumo e Análise do Coddling, de 53 páginas, por 2.99 USD, com o título de Summary & Analysis of The Coddling of the American Mind: How Good Intentions and Bad Ideas Are Setting Up a Generation for Failure: A Guide to the Book, by Greg Lukianoff and Jonathan Haidt. É útil.

Carlos Eduardo Martins
Carlos Eduardo Martins Vou acrescentar o The Coddling of the American Mind à minha lista de leitura. Muito obrigado por ter me marcado nesse post, mestre!

Paulo Amorim
Ontem, no Pânico da Jovem Pan, Pondé disse algo que corresponde ao pensamento cristão milenar da maldade humana. Ele entende que ao limitar e proibir as pessoas, principalmente os jovens e crianças, de expor suas maldades e seus vícios, criamos uma geração doente e desconectada da realidade. Achei bem interessante ele apontar para esse caminho. Pena que os presentes no programa não fizeram desse tópico, um assunto mais aprofundado e preferiram falar do medo que os homens hoje possui das mulheres.

Volney Faustini
Eu ouvi um trecho do Pondé falando e gostei muito. Acima mencionei a Intellectual Dark Web nos Estados Unidos (devo falar sobre ela num de meus próximos videos) – mas são intelectuais de diferentes linhas de fé e crença, pegos pela realidade da maldade humana. Isso os tem feito questionar a cultura, a tendência dominante e reinante, principalmente nos círculos acadêmicos onde impera o pensamento pós moderno e de esquerda.

Eduardo Chaves
Mudando um pouquinho de assunto… O livro do Alain de Botton que o Rev. Valdinei Ferreira [pastor titular da Catedral] citou ontem no sermão é, em Inglês, Religion for Atheists: A Non-believer’s Guide to the Uses of Religion. Pelo jeito traduziram para o Português como Ateísmo 2.0.

Eduardo Chaves
Corrijo-me. O título em Português não é Ateísmo 2.0, mas Religião para Ateus.

Vitor Chaves de Souza
Antes tarde do que nunca. Comprei o livro do Botton indicado acima neste fim de semana e iniciei a leitura 🙂

Elizeu R. Cremm
Meu amigo e “ovelha” Eduardo Chaves! Concordo com o que você registrou sobre a FATIPI e IPB. Espero não ser a partir dessa minha concordância com você, discriminado na igreja (Catedral) nem na denominação. Li também as ponderações do Pondé (sem trocadilho) kkkk…

Eduardo Chaves
Espero que não, mesmo… 🙂

Transcrito aqui neste blog em São Paulo, 9 de Setembro de 2019 — cerca de seis meses depois da publicação do artigo do Pondé e da discussão no Facebook.