De Fins e Origens

[Este artigo foi publicado primeiro (em 23/08/2019) em meu blog Chaves Space, no endereço https://chaves.space/2019/08/23/de-fins-e-origens/. Republico-o aqui pelas implicações que tem para a discussão de questões teológicas.]

Parece que, à medida que a vida avança, e o que resta dela se reduz, a gente começa a se importar mais com questões perenes e essenciais, e menos com as coisas fugidias, acessórias, do dia-a-dia.

Mais e mais tenho concentrado minhas leituras e reflexões em quatro autores que foram importantes em minha vida em diferentes momentos: David Hume, Bertrand Russell, Karl Popper e Ayn Rand.

Neste artiguete quero me referir a dois desses autores: Russell e Popper. O que vou fizer eu encontrei em livros deles pelos quais passei os olhos hoje.

Primeiro, Russell.

Numa passagem do seu livro The Scientific Outlook, Russell afirma que há uma diferença importante entre sabedoria e conhecimento — em especial o chamado “conhecimento científico”. A sabedoria tem que ver com possuir uma concepção clara e defensável dos fins da vida, de para onde devemos caminhar. A ciência não nos ajuda a conquistar essa sabedoria. Ela, quando muito, pode nos ajudar a chegar lá, uma vez que tenhamos definido para onde devemos ir. A ciência lida com meios, não com fins, com fatos, não com valores. Assim, ela pode nos ajudar a “vencer as urzes da jornada”, para usar a bela expressão de Mário Pederneiras (no soneto “Suave Caminho”) — mas ela não consegue nos fixar fins, objetivos, metas.

A filosofia e a literatura, por outro lado, transitam bem melhor no reino dos fins, em que o que impera é a sabedoria, não o conhecimento.

Segundo, Popper.

Num artigo sobre a liberdade humana, ao qual ele deu o título de “Indeterminism is not Enough”, ele afirma que nem a ciência, nem a filosofia, nem nenhuma outra disciplina racional, vão conseguir dar respostas convincentes ao que ele chama de alguns “milagres” (quatro) em meio aos quais vivemos.

  • O primeiro é o de como surgiu o universo físico ou material.
  • O segundo é o de como surgiu a vida nesse universo.
  • O terceiro é o de como surgiu a autoconsciência em alguns seres viventes.
  • O quarto é o de como surgiram, entre os seres autoconscientes, a razão e a linguagem que tornaram possível o aparecimento da espécie homo sapiens.

Provavelmente teremos de reivindicar total agnosticismo em relação a essas questões, que nem a filosofia, nem muito menos a ciência, pode responder.

Por fim, concluo eu, teremos de tentar, modesta e humildemente, definir fins para a nossa vida, sem termos conhecimento das origens – do mundo, da vida, da mente, da mente especificamente humana e da linguagem conceitual da qual ela, segundo tudo indica, é inseparável.

Kant uma vez disse que as grandes questões que devem preocupar o ser humano são:

  • Quem sou?
  • De onde vim?
  • Para onde vou?
  • Como é que eu sei?

A resposta a última pergunta é: “Não sabemos” — e ela implica a mesma resposta às demais perguntas — exceto à terceira, se esta for formulada em uma dimensão estritamente humana, em que cada um de nós define os seus próprios fins na vida, à luz dos valores que lhe dão algum sentido.

Em Salto, 23 de Agosto de 2019 (3 horas da manhã), republicado neste blog em São Paulo, 9 de Setembro de 2019

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