A Tradição Reformada – 01: O Conceito

John H. Leith, no seu livro A Tradição Reformada: Uma Maneira de Ser a Comunidade Cristã (Editora Pendão Real, São Paulo, [1980], 1997), esclarece, no Prefácio, o seguinte:

“A tradição reformada não pode ser definida com precisão. Aqui ela é entendida, de modo geral, como o padrão do cristianismo protestante que tem suas raízes na reforma do século XVI, na Suíça e em Estrasburgo” [p.8].

Ela envolve no mínimo três componentes: teologia, liturgia do culto e forma de governo da igreja [p.8].

No século XVI a tradição reformada é representada, teologicamente, pela obra de João Calvino e Teodoro Beza, em Genebra, Ulrico Zuínglio, em Zurique, e Martinho Bucer, em Estrasburgo (Calvino mais do que Beza e Zuínglio e este dois mais do que Bucer).

[Uma fonte interessante que discute o conceito de “Tradição Reformada” de forma muito proveitosa é Roger E. Olson, Contra o Calvinismo. Olson, que se considera parte da Tradição Reformada, não se considera, stricto sensu, calvinista — visto ser um defensor ardoroso das ideias de Jakobus Arminius — que, é bom que se ressalte, se considerava não só parte da Tradição Reformada como calvinista. Embora Olson aceite muitas das doutrinas formuladas por Calvino e contidas nas Institutas, ele se recusa a aceitar outras, em especial na área da Soteriologia, que acabaram por se tornar importantes no contexto dos chamados Cinco Pontos do Hiper-Calvinismo — conhecidos pelo acrônimo TULIP].

No século XX os principais representantes da Tradição Reformada foram os suíços Karl Barth e Emil Brunner (Barth mais do que Brunner) — embora nenhum dos dois possa ser descrito como um Hiper-Calvinista.

A forma de governo adotada pela Igreja Presbiteriana, a principal representante da tradição reformada, é oriunda da Escócia, não da Suíça e de Estrasburgo, e foi detalhada, no século XVI, por João Knox, principal responsável pela existência, na Escócia, de uma igreja reformada, não anglicana. Mas é inegável que Knox absorveu os princípios que acabou incorporando na Igreja Presbiteriana Escocesa em sua permanência em Genebra. [Vide abaixo o parágrafo em que se discute o termo “reformado/a”.]

Parte 01 - Foto do Mur des Reformateurs

[http://www.ville-geneve.ch/monuments-lieux-interet/patrimoine-monuments/reformateurs/]

O Muro dos Reformadores existente no Parque dos Bastões, em Genebra, a praça que fica em frente à Universidade de Genebra, fundada por Calvino em 1559, homenageia, em primeiro plano, as figuras de Guilherme Farel, João Calvino, Teodoro de Beza e João Knox. Esses foram os teólogos que trabalharam na própria Genebra (embora Knox tenha ficado em Genebra relativamente pouco tempo). Farel foi o iniciador da reforma em Genebra. Seu maior mérito foi ter percebido que o desafio era muito grande para ele só e ter trazido Calvino para comanda-la. Zuínglio e Bucer não foram homenageados no Muro provavelmente por não serem genebrinos ou calvinistas. Talvez pela segunda razão, pois, em segundo plano, o Muro homenageia figuras não-genebrinas importantes no mundo reformado: à esquerda do grupo principal, Gaspar de Coligny, da França, Guilherme o Taciturno, da Holanda, e Frederico Guilherme de Brandenburgo, da Alemanha; e, à direita do grupo principal, Roger Williams, dos Estados Unidos, Oliver Cromwell, da Inglaterra, e Etienne Brocskay, da Hungria.

É preciso esclarecer, portanto, que o adjetivo “reformado/a” (nas expressões Tradição Reformada, Igreja Reformada, Confissão Reformada, Teólogo Reformado) tem esse sentido específico, meio sui generis: não se refere à Reforma Protestante como um todo, mas, sim, à Reforma Protestante que nos foi legada por Genebra, Zurique, Estrasburgo e pela Escócia. Os mais “ortodoxos” deixam até mesmo Zurique e Estrasburgo (Zuínglio e Bucer) de fora, ficando apenas com Genebra (Calvino e, muito secundariamente, Beza) e, no tocante à forma de governo, com a Escócia (Knox).

Esclareça-se ainda que foi principalmente através das Ilhas Britânicas (Escócia, Irlanda e Inglaterra) que a tradição reformada ou presbiteriana chegou ao Brasil – via os Estados Unidos.

Por fim, é bom registrar que Leith, em seu livro, faz questão de enfatizar que “as tradições [em geral, incluindo a reformada] são aprendidas, antes de tudo, numa comunidade viva, não nos livros” [p.10]. A leitura, portanto, que apenas informa, não substitui a aprendência que se dá pela vivência interativa, ou comunhão, que tem lugar numa comunidade – no caso, reformada.

Em São Paulo, 14 de Agosto de 2015 (revisto em 14 de Setembro de 2015)

Eduardo Chaves
eduardochaves@fatipi.edu.br
echaves@fatipi.net

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