Hinos e Louvores: A Música na Igreja

[NOTA 1:

Artiguete que publiquei no Facebook em 13.4.23]

Eu basicamente nasci na Igreja. Meu pai era pastor presbiteriano, e, quando eu era pequeno, ele era um daqueles pastores missionários, desbravadores de campo, que sempre estava indo mais longe, para fundar / implantar / plantar (como se diz hoje) uma igreja presbiteriana onde não havia nenhuma. Fundou as igrejas de Lucélia, onde eu nasci, de Dracena, e várias outras no Oeste Paulista e no Norte do Paraná (Marialva, Maringá, Campo Mourão, etc.).

Meu pai tinha uma veia musical. Toda a família dele tinha. Tinha excelente ouvido, boa voz e tocava qualquer instrumento que pegasse, mas preferia o harmônio (órgão de fole), a sanfona (acordeão), o violão, a flauta transversal. E era um bom poeta. Em todo lugar por onde passava deixava uma igreja com um coral. Nessas igrejas fundadas por ele, ele era, além de pastor, organista e regente do coral (que ele criava assim que havia um número bom de membros com voz e afinação passáveis). Ele tinha um excelente ouvido. Todos esses instrumentos que mencionei ele tocava de ouvido. Mas lia música bem, quando necessário. Transpunha hinos de um tom para outro com naturalidade, quando o tom original lhe parecia muito alto ou muito baixo. Ele era um barítono, mas alcançava bem a melodia dos tenores. E adorava duetar. Nisso tudo puxei a ele.

Embora ele fosse muito preocupado com doutrina — a chamada recta doctrina — e tenha passado essa preocupação para mim e para os membros das igrejas que ele fundou, para mim igreja é algo que está intrinsecamente ligado com comunhão, com canto, e, portanto, com a música. Eu já fui organista, também toquei sanfona, violão, gaita, cantei em tudo que é tipo de coral e conjunto, e montei um octeto que, por um tempo, regi, e que cantou em vários lugares desse Brasil: Curitiba, Florianópolis, e até em Brasília (que, então, em 1963, tinha três anos de vida…)

Hoje não toco mais nenhum instrumento, mas ainda gosto de cantar — e, naturalmente, de ouvir música (boa música, que tem letra significativa e melodia agradável e envolvente, que fica na cabeça da gente horas e mesmo dias depois de ouvi-la).

Por que digo tudo isso?

Digo isso porque eu fiquei fora da igreja por uns quarenta anos (1970 a 2010), e, quando voltei, a música tinha mudado o seu papel na igreja. Hoje, na maioria das igrejas, o canto congregacional de hinos constantes de um hinário, com entremeios do canto coral, a quatro vozes, em ambos os casos com acompanhamento de harmônio, órgão ou (mais raramente) piano, cedeu lugar ao canto grupal e performático, chamado louvor, executado por pequeno grupo de cantores e tocadores de instrumentos (guitarra, baixo e bateria, às vezes com a ajuda de um teclado eletrônico) que se postam na frente da igreja, olhando para os congregantes.

Antes, o importante, era a música congregacional, focada nos hinos do hinário, que todo mundo cantava e, não raro, sabia de cor. É verdade que, quando a igreja tinha um coral, este cantava um ou dois hinos que o resto da congregação só ouvia. E, às vezes, havia também um dueto ou um solo. Mas o importante era o canto congregacional. E meu pai gostava de hinos animados, como ele dizia, cantados com vida e alegria. E, se ele não estava tocando o harmônio ou órgão, ele regia a congregação a partir do púlpito, e, como tinha uma voz muito boa e forte, “puxava” o canto congregacional, para que ficasse vivo e animado e não se tornasse mole, arrastado. E este canto congregacional era importante para os crentes, que, às vezes, pediam ao pastor que inserisse na liturgia algum hino favorito deles. O hinário sempre foi o Salmos e Hinos, na minha infância e juventude (embora, quando havia coral, este cantasse muitos hinos do Cantor Cristão também – meu pai tinha uma certa queda pelos hinos desse hinário). Embora as letras dos hinos de vez em quando beirassem o ininteligível (“Se da vida as vagas procelosas são”, por exemplo), a música em geral era boa e todo mundo tinha o seu hinário próprio (não existia projeção da letra em um telão na época) e, assim, aos poucos conseguia acompanhar o hino: na terceira ou quarta estrofe, mesmo de um hino meio desconhecido, todo mundo estava cantando junto em uníssono (com alguns mais ousados fazendo uma segunda, terceira ou quarta voz — contralto, baixo, ou tenor).

Hoje tudo isso está mudado nas igrejas presbiterianas, exceto em algumas igrejas mais tradicionais. Toda igreja, por menor que seja, tem o seu grupo de louvor, em que duas ou três pessoas cantam, alguém toca violão ou guitarra, outro toca baixo, mais um toca teclado, e ainda outro se ocupa da bateria.

Eu, confesso, não me acostumei isso. E não acho que essa mudança tenha sido para melhor. E por várias razões.

Primeiro, porque essa iniciativa fez com que o cantar na igreja fosse delegado (terceirizado) para o grupo de louvor. É este que canta. Os demais membros da igreja apenas ouvem. Quando acontece de haver um hino que eles conheçam, por ser mais da velha guarda, alguns na congregação tentam acompanhar — e, como a letra é projetada, às vezes conseguem. Ninguém mais carrega o hinário para a igreja (nem a Bíblia, pois os trechos bíblicos também são projetados ou, na pior das hipóteses, acompanhados no telefone, cada um lendo a sua tradução preferida da Bíblia). Mas, de resto, a congregação fica calada, mesmo quando — absurdo dos absurdos — se pede que a congregação se levante para ouvir os próximos dois hinos cantados pelo grupo de louvor… Levantar para cantar melhor, de modo mais vivo ou animado, um hino de ritmo rápido (como “Deus dos Antigos”, “Avante, Avante, ó Crentes”, por exemplo), até é compreensível, mas levantar para ouvir o conjunto cantar me parece sem sentido. Se o hino é meio animadinho, o chefe do grupo de louvor até pede que a congregação bata palmas no ritmo — e algumas pessoas mais ousadas, geralmente mulheres, gesticulam e dão uma gingadinha. (É raro ver um homem rebolando um pouco, mas, hoje, acontece). No todo, a participação da congregação na parte musical do culto foi reduzida a quase nada além de ver e ouvir (“participar passivamente” – algo que soa uma contradição de termos).

Segundo, porque o grupo de louvor depende da guitarra elétrica, do baixo, e da bateria, as músicas todas têm um ritmo parecido, meio roqueiro, com uma toada que favorece os músicos e dá um papel de destaque ao baterista e àqueles que, no conjunto, têm voz melhor e mais forte.

Terceiro, a letra dos hinos (não é costume mais designá-los assim: hoje se fala “dos louvores”), em geral, é sofrível — quando não horrível. Raramente os versos são bem construídos, com o mesmo número de sílabas, com rimas decentes, etc. Por vezes, a letra não passa de uma passagem bíblica, não versificada, sem rimas, e repetida ad nauseam (já contei doze repetições seguidas da mesma frase – DOZE!). Alguns trechos, que funcionam mais ou menos como refrão, às vezes chegam a ser repetidos mais de vinte vezes ao longo do louvor inteiro, uma vez depois da outra, cantando a mesma coisa, com um arremate de no mínimo seis vezes… Quando você pensa que está terminando, volta-se a cantar ainda uma vez. Qual o sentido dessa repetição toda??? E pelo menos nós, os mais velhos, temos, por vezes, de ficar em pé, com as pernas doendo, ouvindo a repetição infindável de um trecho da letra.

Quarto, há a bendita gesticulação — a mímica. Se se fala de Deus, levantam-se os braços (quem está com microfone de mão só levanta um braço); se de bênção, esticam-se as mãos, com as palmas viradas para cima; às vezes se bate no peito ou se bate palmas… É triste… Em todo lugar é a mesma coisa. 

Chegou a hora de ser mais criativo na música cantada na igreja. Não quero apenas voltar aos hinos tradicionais, que todos sabíamos de cor (embora goste muito deles até hoje). Mas gostaria de ver o envolvimento da congregação cantando animada, alegre, com o vigor de quem está vivo e bem vivo — um hino cuja letra possa ser ouvida e entendida a uma quadra de distância (a letra, não o repique do baixo e da bateria. O sermão, que ocupa de 20 a 30 minutos, já é unidirecional: a congregação fica passiva. As orações são feitas por quem está lá na frente: a congregação continua passiva. Não se usa mais pedir que um irmão ou uma irmã faça uma oração voluntária, de improviso… Nem se abre a possibilidade de que quem quiser orar em voz alta que o faça, fatalmente acompanhado de vários améns (algo que os pastores de hoje consideram arriscado). Nada disso acontece mais nas igrejas presbiterianas. Tirando a coleta, a música era a única hora em que a congregação participava, se envolvia no culto. O louvor era dela, da congregação, não do coral, nem de um grupo rotulado de louvor. (O coral da minha igreja em Santo André chegou a ter noventa vozes, nada que se compare com as três ou quatro vozes dos grupos de louvor de hoje). Agora, nem o papel de louvar a congregação tem mais. Daqui a pouco a Santa Ceia será um lanchinho que o pastor e os presbíteros tomam lá na frente enquanto a congregação assiste… (Na Igreja Católica o vinho já é só o padre oficiante que toma… Afinal de contas, lá é vinho mesmo, e vinho custa caro para oferecer a todo mundo…).

Na minha modestíssima opinião há que se fazer alguma coisa para voltar a envolver a congregação no culto, e a música congregacional, que todos, ou a maioria dos membros, conhecem bem e gosta de cantar é o jeito mais fácil de fazer isso. Uma iniciativa nesse sentido reduzirá, por certo, o papel dos grupos de louvor, que passará a funcionar apenas como um mini-coral, cantando um, no máximo dois hinos ao longo do culto — não sete ou oito, dos quais quatro ou cinco de enfiada, no início do culto, com a congregação em pé… – um martírio para nós ao redor dos oitenta.

Sei que vou ouvir críticas e elogios, as críticas vindo até mesmo aqui de dentro de minha própria casa, mas faz parte…

EC, 13.4.23

[NOTA 2:

O artiguete recebeu até hoje, 3.5.23, 43 comentários, a maioria favorável.

Vide:

https://web.facebook.com/eduardo.chaves/posts/pfbid0GZYkjeTH6tqyt91Lmdux1LN6fzwXQRgicF95fvWSLa6ZVRR1Bn3a9CYjBDgQqvaHl   ]

[NOTA 3:

A seguir, comentário que escrevi em 30.4.2023, em resposta a um comentário feito por uma amiga minha, colocado em uma foto que postei do Grupo de Louvor da igreja que frequento, a Igreja Presbiteriana Independente de Salto, com minha mulher cantando no grupo. O material pode ser visto em minha conta “chaves” no FB, no seguinte endereço:
https://web.facebook.com/chaves/posts/pfbid0pKNnJQRGDXuhhifBqMJH4ma6krAesVJJVGWcWUCLJhhhFmQvxkp91m4Mbz1GQg4Nl  ]

Comentário:

“Na sua Igreja tem Grupo de Louvor? Um dia desses você fez uma crítica severa aos Grupos de Louvor das Igrejas.🤔🤔”

Minha Resposta

SIM. A Igreja que eu frequento (ela não é minha, em nenhum sentido em que essa expressão possa ser legitimamente usada — eu não faço parte nem do rol de membros dela, só a frequento regularmente) tem um Grupo de Louvor, do qual a Paloma Epprecht Machado Campos Chaves, minha mulher, faz parte, de um certo tempo para cá.

Aproveito sua pergunta para esclarecer que meu artiguete, em estilo de comentário, não dirigiu suas críticas a “Grupos de Louvor”, em si, como categoria, nem a nenhum Grupo de Louvor específico, muito menos ainda ao Grupo de Louvor desta igreja que eu frequento, composto por pessoas, todas elas muito queridas, dedicadas, e esforçadas, que são respeitadas e admiradas por mim.

Minha crítica foi genérica e teve três pontos principais:

1. Por causa da disseminação generalizada dos Grupos de Louvor nas igrejas, que são grupos que cantam lá na frente da igreja, olhando para os congregantes, acompanhados por instrumentos especializados (guitarra, baixo, bateria, por vezes teclado eletrônico), e cujo repertório geralmente consiste de músicas de um gênero específico chamado louvor (distinto de hino de hinário) — por causa disso, repito, o canto congregacional, em que toda a igreja cantava hinos que quase todos os congregantes conheciam (às vezes até sabiam de cor), acompanhados geralmente de um órgão ou harmônio, ESTÁ DESAPARECENDO, SIMPLESMENTE DEIXANDO DE EXISTIR — o que eu acho uma lástima. Os congregantes, hoje, não cantam mais na igreja, em parte: (a) porque não conhecem os louvores; (b) porque não gostam do estilo das músicas; ou, (c) simplesmente, porque acham que cantar na igreja, como pregar do púlpito, é algo especializado, que é delegado (terceirizado) a um grupo específico que a gente assiste, às vezes, não sei por que, em pé. (Cantar em pé um hino animado eu até entendo, mas ouvir em pé, como se ouvindo o Hino Nacional sem cantar, eu acho que não faz muito sentido.

2. Embora goste de algumas músicas consideradas louvor, da maioria eu não gosto. Não gosto da melodia (música) porque ela em geral tem um ritmo predeterminado pelos instrumentos usados (em especial as guitarras, os baixos e a bateria). Há louvor em ritmo de valsa, balada, guarânia, mpb, etc., raramente no ritmo mais cadenciado que me acostumei a encontrar nos hinos. E não gosto da letra, porque é repetitiva em excesso, sem métrica cuidadosa, com pés quebrados, por assim dizer, sem rima bem feita, etc. Às vezes a letra é apenas um versículo bíblico (ou mais de um) cantado na forma bíblica original, sem tratamento melódico e/ou poético mais cuidadoso.

3. Não gosto, por fim, do ambiente que geralmente acompanha os louvores, com gestos, palmas e a inevitável gingadinha que o tipo de música, os instrumentos e as palmas induzem. Não acho que o culto deva ser um momento triste, de modo algum, mas acho que deva ter uma certa solenidade que parece incompatível com as características que descrevi acima.

REPITO: Minha crítica foi à substituição regular do canto congregacional convencional pelo louvor. Não sou contra os Grupos de Louvor, em si, nem ao seu uso, uma vez ou outra, muito menos aos que deles participam com muita dedicação e esforço. Mas não me sinto muito em casa em igrejas em que só há Grupos de Louvor, não havendo canto congregacional em que todos cantam hinos conhecidos de todos, e em que não há nem mesmo canto coral, com harmonia em quatro vozes, com acompanhamento por órgão, ou harmônio ou piano.

Sei que parte da minha crítica é resultante de minha idade. Farei 80 anos em 7 de Setembro. E às vezes me sinto, no culto, como se estivesse em festinha de adolescente, ou, pior, em concerto de rock (que só conheço por ver na TV).

É isso. Obrigado por provocar este meu esclarecimento. Um abraço para você e para a querida família de que você faz parte.

PS: Creio que sua sogra concorde comigo, pelo menos em parte… Diga-lhe que mando um beijo para ela, mesmo que ela não concorde comigo em nada… 🙂

Em Salto, 30.4.23